BRASÍLIA - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta quarta-feira resolução que tira da lista de substâncias proibidas o canabidiol (CBD), um produto obtido da maconha e indicado para pacientes com epilepsia grave, entre outras doenças. Isso não significa a concessão automática de registro de remédios feitos a partir de CBD. Além disso, destacou a Anvisa, medicamentos com canabidiol não conseguem isolá-lo totalmente: outras substâncias extraídas da maconha, e que ainda são proibidas, também costumam estar presentes, embora em quantidades bem menores. Assim, os pacientes interessados em importar o remédio ainda precisarão pedir autorização da Anvisa.
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Hoje, há várias exigências burocráticas para isso, e muitos acabam recorrendo à Justiça para conseguir a liberação do CBD. Também nesta quarta, a Anvisa decidiu que vai elaborar uma proposta de resolução simplificando o processo de importação. O diretor-presidente da Anvisa, Jaime Oliveira, acredita que em 30 ou 40 dias sairá uma decisão sobre o tema.
Na diretoria colegiada da Anvisa, a discussão para excluir o canabidiol das substâncias proibidas começou em 29 de maio. Na época, o relator, Renato Porto, foi contra a medida. Outro diretor da Anvisa, Jaime Oliveira, que hoje é presidente da agência, pediu vista. Nesta quarta, ele citou pesquisas científicas favoráveis ao canabidiol. Entre outros pontos, esses estudos destacam os efeitos positivos da substância no tratamento de doenças, e também o fato de o CBD não provocar dependência. Segundo Oliveira, mesmo ainda sendo necessário pedir autorização para importação, reclassificar o canabidiol terá efeitos práticos importantes.
— A incoerência técnica e científica da atual classificação do canabidiol como substância entorpecente ou psicotrópica não pode prevalecer. A questão dos procedimentos de importação de produtos à base de CBD, embora relevante, é diminuta se comparada à sinalização equivocada que a proscrição dessa substância sem base científica transmite a médicos, pacientes, pesquisadores, e a sociedade de uma forma geral — disse Jaime Oliveira, concluindo:
— A opção pela reclassificação do CBD coloca o tratamento regulatório do canabidiol no crivo adequado, ou seja, baseado em dados e informações técnicas e científicas sobre suas propriedades e riscos, critérios esses que devem ser a base da atuação do poder público em assuntos dessa natureza. A segurança de que esses são os critérios que balizam a avaliação e as decisões de agência regulatória move pesquisas e investimentos, ainda muito necessários para o canabidiol e influencia expectativas de pacientes que procuram opções terapêuticas para o tratamento de doenças graves
Após o voto de Oliveira, o relator Renato Porto mudou o posicionamento que teve no ano passado e também votou pela reclassificação do CBD. Destacou, porém, que hoje não há comprovação científica da ação a longo prazo do canabidiol.
— Não há estudos que comprovem os efeitos do CBD no longo prazo. Aqui há indicativos — disse Porto.
Os outros dois diretores da Anvisa — Ivo Bucaresky e José Carlos da Silva Moutinho — também votaram pela reclassificação do canabidiol.
Hoje a agência libera a importação do CBD mediante prescrição e laudo médico, termo de responsabilidade e formulário de solicitação de importação para remédios controlados. Em 19 de dezembro, a Anvisa anunciou a simplificação dos procedimentos de importação de CBD. A autorização para pacientes fazerem uso próprio passou a ter validade de um ano. Nesse período, basta enviar a prescrição médica com a quantidade prevista para o tratamento por e-mail à Anvisa (
med.controlados@anvisa.gov.br).
Segundo a própria agência, foram recebidos 374 pedidos de importação do canabidiol para uso pessoal, dos quais 336 foram autorizados, 20 aguardam o cumprimento de exigências pelos interessados, e 11 estão em análise pela área técnica. Outros sete pedidos foram arquivados, em função de três decisões judiciais estabelecendo a imediata liberação da importação, duas desistências e dois falecimentos de pacientes. O prazo médio das liberações, de acordo com a Anvisa, é de seis dias.
Em entrevista após a reunião, Jaime Oliveira destacou que, há cerca de um mês, um laboratório estrangeiro fez o pedido de registro de um medicamento que contém canabidiol. Ele não quis dar prazos de quando a análise do pedido será concluída pela Anvisa, mas disse que esse remédio já tem registro na Europa. Hoje, o medicamento com maior concentração de CBD está em fase de estudo clínico nos Estados Unidos: o índice de canabidiol desse remédio é de 98%, de acordo com Oliveira.
Acompanharam a reunião da Anvisa vários parentes de crianças tratadas com canabidiol, entre eles, Katiele Fischer e Norberto Fischer, pais da menina Anny Fischer, que tem epilepsia e foi a primeira a obter autorização judicial para importar a substância. Eles se inscreveram para fazer sustentação oral e defender a liberação da substância. Katiele estava bastante emocionada.
— Não estou dizendo que é uma cura, mas é uma esperança de qualidade de vida. O fato de estar na lista de proibidos passa a sensação de que é ruim, não é legal. Essa classificação vai abir as portas e vão avançar os estudos — disse Katiele, acrescentando: — Eu tinha trocentas coisas para falar, mas não vou conseguir.
Outros pais também falaram durante a reunião. Um deles, Júlio Américo Pinto Neto, disse que seu filho, que também tem epilepsia e hoje tem cinco anos, foi vítima de negligência médica após nascer, o que levou a complicações. Ele preside a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA-ME).
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— Meu filho hoje não fala, não anda. Tem o desenvolvimento de uma criança de menos de um ano. Por não saber ouvir, profissionais, ciência e poder público podem cometer erros históricos e condenar pessoas a sofrimentos que poderiam ser evitados — disse Júlio Américo.
Em 12 de dezembro, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou resolução autorizando a prescrição do CBD para crianças e adolescentes (até 18 anos) epilépticos que não respondem a tratamentos convencionais. Mas nem todos os médicos passaram a poder fazer isso. Apenas os que tem especialidade em psiquiatria, neurocirurgia e neurologia e suas áreas de atuação terão essa prerrogativa. Além disso, esses médicos devem estar previamente cadastrados em plataforma online desenvolvida pelo próprio CFM. A prescrição da maconha propriamente dita, além de outros derivados, continua proibida.
Na época, o CFM informou que, mesmo sem registro na Anvisa, o CBD podia ser prescrito. Para isso, existe o chamado uso compassivo, quando, mesmo sem registro, uma substância pode ser receitada para pacientes com doenças graves e sem alternativa de tratamento satisfatória com produtos já registrados no país.
Ana Branco / Agência O Globo